sexta-feira, 26 de setembro de 2014

O Surto - parte 1


O mar estava agitado, de ressaca, mas o vai e vêm das ondas era capaz de acalmar seus pensamentos. De levar a um estado de não-pensar. Fitou o horizonte por horas, até que lhe surgiu um pensamento – O que haveria do outro lado das águas. Logo pensou: - A África! Conjecturou se havia alguém do outro lado e imaginou que talvez também estivesse olhando o oceano e em algum ponto do atlântico seus olhares haveriam de se encontrar.

Sofia acabara de completar 25 anos, mas aparentava bem menos e quem a conhecia achava que ela era muito sábia para idade que tinha. Vivia da venda de seus quadros, para desgosto do seu pai que sempre quis uma filha médica ou advogada. Chegou a iniciar o curso de Direito, mas parou no 7.º semestre. Era a caçula da família, nunca causou grandes preocupações aos seus pais, até decidir abandonar o curso e viver de arte.


Iniciou a faculdade, não tinha 18 anos completos e se deu conta que aquilo não fazia mais sentido em sua vida aos 22, quando teve uma longa conversa com seus pais.
 
- Mas, minha filha, o que você vai fazer da vida? - Questionou seu pai.
- Não sei, pai. Mas não vejo sentido em ter regra pra tudo, em ver números substituindo pessoas... – referindo-se ao seu estágio no Foro, onde lidava com várias pilhas de processos.

Seu hobie por pintura começou desde cedo. Desde pequena se destacava nas aulas de artes no colégio. Com o tempo livre da faculdade e do estágio do foro, pintou tantos quadros que não haviam mais paredes em sua casa para pendurá-los. Resolveu anunciá-los na internet, em um site de compras. Em pouco tempo, vendeu o primeiro, depois o segundo e, com o tempo, viu naquilo uma fonte de renda.

Foi quando resolveu sair da casa de seus pais. Morava em Porto Alegre, em uma rua muito calma, próximo ao lago que todos chamam de rio, onde todas as manhãs passeava com sua cachorrinha – a Doroty. Resolveu que queria uma cidade litorânea, não sabia bem qual, resolveu pegar o seu carro e visitar uma a uma todas as praias até encontrar uma que seu coração lhe dissesse que era aquela.

Reuniu um pequeno grupo de amigas e partiu, sem rumo, para o norte. Não contou às amigas ou a seus pais dos seus planos de independência, mas foi resolvida a encontrar um lugar para fixar raízes, longe da casa dos pais.

Era inverno, meados de julho e suas amigas, que permaneceram cursando a faculdade de Direito, estavam de férias. A princípio queriam ir para serra, mas Sofia as convenceu em viajar para a praia.

Ana e Júlia conheceram Sofia no cursinho pré-vestibular e, desde então, para onde uma ia, as outras também iam.

Ana logo exclamou:

  • Sofi, só tu pra nos tirar da nossa casa quentinha, para ir pra praia no inverno! Para onde vamos?
  • Para onde o destino nos levar, vamos indo e parando no caminho. Quando encontrarmos algum lugar legal, paramos. E, se pá, até passamos a noite.
  • Quando voltaremos? - Indagou Júlia.
  • Antes das tuas férias, se não convencer vocês a abandonar esse curso sem sentido e cair na estrada. - Provocou Sofia.
  • Tu é louca, Sofi. Abandonar o curso no meio do caminho, porque não terminou? Pelo menos teria um diploma.- Respondeu Júlia.
  • Não preciso de diploma algum para ser feliz.

As duas amigas sabiam que era inútil tentar convencer Sofia a retomar os estudos, quando ela colocava uma coisa na cabeça, não havia Cristo que tirasse. Arrumaram as malas no carro, pegaram Doroty na casa de Sofia e seguiram viagem.

Era sexta-feira e a primeira parada foi em Tramandaí, chegaram por volta das 18h. Júlia logo determinou:

  • Hoje dormimos aqui! Em Imbé tem noite forte!
  • Você e suas festas... - Reclamou Ana. Ana era mais intelectual, adorava estudar e não era muito chegada a baladas.
  • Dá um desconto pra ela, que faz mais de três semanas que não sai. Vocês acabaram de passar um período de provas. Vai fazer bem relaxar um pouquinho... - Ponderou Sofia.

Hospedaram-se em uma pequena pousada, a uma quadra da praia. Barulho do Mar era o nome. Sofia, que sempre foi fascinada pelo mar, achou que aquele nome era um sinal, que iria ajudá-la em sua busca. Na recepção, pediram um quarto triplo, mas foram avisadas que só havia quartos de casal. Ficaram em dois quartos, Sofia num, Ana e Júlia noutro. Comeram um lanche ali mesmo e resolveram ir explorar a cidade.

Tramandaí é uma cidade que recebe muitos veranistas no verão, mas no inverno conserva a característica de uma cidade de interior, com cerca de 41 mil habitantes. É conhecida por suas festas e, no inverno, muitos jovens de cidades vizinhas e até mesmo de Capão da Canoa e Torres vêm desfrutar dos barezinhos que ficam abertos o ano todo.

No centro, havia um certo movimento, os bares já começavam a se preparar para receber as pessoas a procura de divertimento. Resolveram sentar num pequeno pub que tocava música ao vivo, por insistência de Sofia, já que Júlia não era muito fã de MPB.

O lugar chamou a atenção de Sofia, pois o cantor estava tocando Cão de Giz e ela adorava Zé Ramalho. Viajava em suas letras. Imaginava como ele compunha suas músicas. Certa vez, tinha lido que o cantou era garoto de programa e que havia se apaixonado por uma cliente, mais velha e socialite. Do “romance” compôs a música. Achava aquela música linda.

Passava das 21horas, as três escolheram uma mesa próximo ao palco e pediram uma cerveja. Próximo a mesa delas havia um casal com uma criança que já resmungava de sono. Sofia, ficou observando a menina, era loira, de cabelos encaracolados, réplica mirim de sua mãe. A menina notou que Sofia a observava e deu um tchauzinho. Sofia sorriu e devolveu o cumprimento. Os pais nada perceberam. Em um dado momento, a menina se levantou e foi ao encontro de Sofia.

  • Oi, Tia!
  • Oi, como é o seu nome?
  • Clara...
  • Legal, meu nome é Sofia, mas pode me chamar de Sofi!
  • Pode me chamar de Clarinha, então.
  • Quantos anos tu tens, Clarinha?

Mostrou os cinco dedos e, fechou os olhos e começou a falar em outra língua. Nesse momento, a mãe da menina, pegou ela pelo braço e dirigiu-se a Sofia:

  • Desculpe se ela está te chateando, essa menina é impossível.
  • Não é incomodo nenhum.
  • Você está no caminho certo, mas não é aqui o seu lugar! – Gritou a guria.
  • Desculpe, como eu disse, minha filha é tinhosa.
  • Não foi nada.

O casal pagou a conta e foi embora com a menina dormindo.

  • O que foi aquilo? Perguntou Júlia que observou toda a cena.
  • Nada, só um aviso dos deuses que falaram através da menina.
  • Que deuses? Aviso de que?
  • Nada... deixa assim...
  • Você e seus mistérios. Tem cada coisa que acontece que só pode ser contigo mesmo.

Beberam e riram mais um pouco, a respeito do ocorrido. Ficaram até o pub fechar, cerca de umas 3h da madrugada.

  • Para onde vamos? - Indagou Júlia toda animada.
  • Pra cama! – Respondeu Ana,
  • Ah não, Ana... Nem vem... Hoje é sexta e são apenas três horas, vamos procurar algum lugar para ir.

Perguntaram ao garçom, que estava acabando de limpar as mesas e colocando as cadeiras sobre elas, qual o melhor lugar para irem. Estavam alegre, em função da bebida. O garçom indicou uma casa noturna que tocava música eletrônica, ali perto. Foram à pé. Estava frio, mas sofia sentia calor e uma certa vertigem, em razão da cerveja bebida. Chegaram lá já havia pouco movimento, ficaram cerca de uma hora e meia e foram voltaram para a pousada.

Quando chegou ao seu quarto, foi recepcionada com festa por Doroty que a convidava com os olhos para um passeio. Atendendo ao pedido canino, percorreu a quadra que faltava para chegar o mar e caminhou pela beira da praia por cerca de uma hora. Doroty corria muito, mas sempre voltava para acompanhar os passos de Sofia. Sentou em um tronco que estava na beira da praia e ficou aguardando o raiar do sol, observando o mar. Pensou que deveria voltar à pousada e descansar um pouco, pois queria partir no mesmo dia para outro lugar, afinal, acreditava que aquela criança lhe dera o sinal de que o lugar procurado não era aquele.

Lembrou de sua Tia, que morava em Capão da Canoa. Olhou no relógio, eram 06:30, julgou que sua tia provavelmente já estaria acordada pois levanta com as galinhas. Resolveu telefonar.

  • Bom dia, Tia, é a Sofia. Tudo bom?
  • Tudo ótimo, melhor agora. Quanto tempo...
  • pois é... É que estou em Tramandaí, estou viajando para Santa Catarina, pensei em passar por aí hoje, o que a Sra. Acha?
  • Acho que eu ficaria muito brava se você não passasse por aqui. Venha para o almoço!
  • Não quero incomodar, estou com duas amigas e a Doroty.
  • Não tem problema, pode vir, estarei esperando.
  • O.K.. Então, vou mesmo, mas chegamos lá pelas 13hs, pois ontem saímos e ainda quero descansar um pouquinho.
  • Combinado, estarei esperando.

Despediram-se e Sofia voltou à pousada. Dormiu algumas horas, levantou para tomar café da manhã na cozinha da pousada, onde encontrou as duas amigas e lhes disse no novo destino. Tomou um banho e pegaram a estrada. Chegaram na casa da tia de Sofia por volta das 13:30.

  • Olá, prazer.... meu nome é Elisabete, sou tia da Sofia! - Cumprimentou.

As meninas responderam ao cumprimento e Elizabete deu um longo abraço em Sofia. Elisabete era uma segunda mãe para Sofia. Muitas vezes Sofia confidenciava coisas para Elisabete que nem mesmo sua mãe sabia.

Almoçaram e Júlia convidou todas para tomarem um sorvete no centro. Sofia disse que iria dormir um pouco, pois estava cansada e que dispensava o convite, mas emprestava o carro para elas irem. Elisabete disse que iria ficar por casa, pois queria arrumar as coisas do almoço. Júlia se ofereceu para lavar a louça, mas Elisabete não deixou. Ana aceitou o convite e ambas saíram após tomarem um café.

Sofia começou a lavar a louça, sobre os protestos de Elisabete.

  • Então, o que a traz ao litoral logo no inverno?
  • Não contei para as gurias, nem para os meus pais, mas estou pensando em morar em alguma praia, só não sei qual.
  • Praia para vocês jovens é bom no verão. No inverno, é só tranquilidade.
  • Mas é isso que eu busco, Tia... Quero um lugar calmo para pintar os meus quadros...
  • Então, pelo visto resolveste mesmo largar o Direito.
  • Sim, não é pra mim.
  • Sempre achei que estava fazendo o curso errado, mas tem coisas que só é possível descobrir vivendo... Até acho que ficou tempo demais. Aqui em casa tem espaço suficiente para nós duas, venha para cá, será bom ter um pouco de companhia.
  • Obrigado, fico muito grata com o convite, mas não sei ainda onde vou ficar, estou esperando um sinal, não sei vindo de onde, mas um lugar que me toque no coração. Esse lugar até pode ser aqui, mas ainda não senti isso.
  • Sei como é, você também não precisa morar comigo, pode alugar um apartamento ou uma casa aqui perto, é bom ter alguém conhecido por perto.
  • Verdade, vou considerar isso... Tia, a Senhora me desculpe, mas estou muito cansada, cheguei na pousada para dormir pela manhã. Não dormi quase nada... onde posso me deitar?

Elisabete a encaminhou até o quarto de hóspedes que ficava no segundo andar da casa. Era um sobrado com três dormitórios em cima e um embaixo, onde dormia Elisabete. Tinha um amplo pátio na parte da frente, onde um jardim belíssimo era o passatempo preferido da tia da Sofia. Nos verões, a casa vivia lotada por parentes, mas no inverno quase ninguém visitava Elisabete.

Acordou por volta das 18h com o cheiro de café. Suas amigas haviam voltado e também estavam dormindo. Chamou elas e foi até a cozinha, onde Elisabete preparara uma mesa bem farta. Comeram e Elisabete disse que tinha que ir a Torres no domingo pela manhã, buscar uns produtos para a loja, convidando elas para ir junto.

Elisabete era meio bruxa e tinha uma loja de produtos exotéricos, a Vibração do Mar. Era mais um ponto de encontro para as pessoas falarem sobre assuntos místicos que uma loja. A mantinha somente por distração, pois recebia uma bela aposentadoria do Governo.

Júlia não gostou muito, pois teriam que dormir cedo e tinha planos de sair aquela noite. Mas foi vencida pela maioria que queria ir a Torres. Sofia havia passado apenas um Reveillon em Torres, não achava grande coisa a cidade, mas ficou entusiasmada em ver as novas mercadorias que sua Tia iria buscar para loja. Tratavam-se de caldeirões de barro, feitos por um bruxo artesão da cidade.

Sofia não tinha religião, mas se interessava muito por assuntos do ocultismo. Achou que conhecer um bruxo iria lhe fazer bem, talvez ele tivesse alguma coisa para lhe dizer, pensou.

Saíram de Capão da Canoa às 8h da manhã. Sofia decidiu deixar Doroty, pois ficaria muito apertado no carro, já que era uma cachorra de porte médio. Pararam um uma casa, repleta de escultura indianas espalhadas pelo jardim. Elevada do nível do solo, no muro havia o desenho de mandalas, feitas em mosaico. Elisabete mandou que Sofia buzinasse. Saíram do carro e ficaram esperando. Não demorou muito um senhor, que aparentava uns 50 anos, magro, de altura mediana e cabelos compridos saiu da casa, atravessando o jardim. Desceu as escadas e abriu o portão.

  • Olá, Elisabete, vejo que trouxe companhia!
  • Sim, esta é minha sobrinha, Sofia e suas amigas, Ana e Júlia.
  • Então essa é a famosa Sofia. Muito prazer, meninas! Meu nome é Ricardo. Os caldeirões estão lá em cima, vamos entrando.

Subiram os degrais que compunham o jardim e entraram na casa, que era térrea e parecida ser feita de vidros.

A sala era muito grande, bem iluminada e cheia de cortinas balançando com o vento. Não havia móveis, apenas várias almofadas e um tapete enorme que preenchia a sala toda. Eram 13 almofadas alinhadas em círculo. Havia também um grande altar, onde havia um cálice, um caldeirão, um incensário em formato de pentagrama e diversas mini-estátuas de deuses egípcios, anjos, divindades indianas e bruxas. Também haviam diversos vasos com plantas, decorados com fadas e gnomos. Sofia sentiu uma imensa paz e tranquilidade ao entrar naquela sala. Ricardo entrou em uma porta que dava para os fundos da casa e voltou com uma caixa de papelão.

  • Aqui estão! 10 caldeirões, conforme o pedido. Mas hoje é um dia especial, gostaria que vocês ficassem e pelo menos almoçassem aqui comigo. - Deixou a caixa em um canto da sala e fez sinal para todas sentarem nas almofadas. - Então, garotas... Todas as pessoas que por aqui passam, passam por alguma razão, nada acontece por acaso. E não é por acaso que vocês cruzaram o meu caminho hoje. Sinto que os bons espíritos querem falar com vocês e eu serei o instrumento, hoje, caso vocês desejem ouvir a mensagem.

Todas ficaram entusiasmadas e concordaram. Então, Ricardo se dirigiu até uma outra sala e voltou com um baralho e um livro. Puxou um incenso que havia num cesto ao lado do altar e acendeu-o, assim como uma vela que também ficava no altar. Sentou também em uma das almofadas e perguntou:

  • Quem quer ser a primeira?
  • Eu!!! - Respondeu, de pronto Júlia.
  • Então, que assim seja. Mas primeiro vamos fazer uma pequena oração, para entrarmos no clima. Vamos nos dar as mãos e cada um converse com quem achar que deve conversar, conforme a crença de cada uma.

Deram as mãos e fecharam os olhos por cerca de 3 minutos. Ricardo puxou sua almofada para o centro e colocou mais uma em sua frente.

  • Pode sentar aqui, Júlia... Esse é o Tarot do Osho, ele traz resposta para o presente, embaralhe, concentre-se e tire uma carta. - Júlia lhe entregou a carta. - Você tirou a carta das Projeções. Observe que o homem e a mulher nela ilustrados têm uma imagem distorcida de si mesmos. - Consultou o livro e prosseguiu: - Vou te ler o que o Osho escreveu sobre esta carta: “Todos nós podemos cair na armadilha de projetar ‘filmes’ de nossa própria autoria sobre as situações e as pessoas à nossa volta. Isso acontece quando não estamos plenamente confiantes de nossas expectativas, desejos e julgamentos e de reconhecê-los como nossos, tentando atribuí-los aos outros. Uma projeção pode ser diabólica ou divina, perturbadora ou confortadora, mas continua sendo uma projeção – uma nuvem que nos impede de ver a realidade como ela é. O único modo de escapar disso é entender como funciona o jogo. Quando você der com um julgamento se formando a respeito de outra pessoa vire-se do avesso: aquilo que você está vendo no outro, na verdade, não pertence a você? A sua visão está límpida ou obstruída pelo que você quer ver?”. Que bela descrição da nossa própria cegueira a respeito de nós mesmos, não é verdade? Quantas vezes olhamos para quem está perto de nós e não percebemos que este alguém funciona como nosso espelho, refletindo exatamente aquilo que menos gostamos em nós. No livro o autor diz que nossa mente é um projetor e o outro, a tela onde o nosso filme é projetado. Isso explica muito bem aqueles relacionamentos onde no início é tudo ouro sobre azul e, com o passar do tempo, o ódio, a raiva, a vingança e o desamor começam a surgir na relação transformando príncipes e princesas em sapos e rãs repugnantes. Um estudo recente parece mostrar que a paixão dura em média um ano e meio. Segundo o estudo, é nessa fase que o objeto do amor é perfeito, lindo, tudo o que um diz ou faz é maravilhoso. Depois dessa fase o castelo começa a desmoronar e, então, começamos a nos ver no outro (e vice-versa) sem o véu da ilusão, do encantamento, da anestesia. E o encantamento vai passando sendo substituído pelas projeções que nossa mente faz sobre o que nosso companheiro/a tem de pior (ou seja, o que temos de pior refletido nele ou nela).
      Júlia interrompeu:
  • Sim, acabei de acabar um relacionamento assim.
  • Então, sugiro que faça o seguinte exercício, proposto no livro, durante sete dias: Faça sempre ao acordar, sentado, tenha os pés apoiados no chão e as mãos apoiadas nas pernas. Feche os olhos, respire até sentir muita calma e pense na intenção do exercício: ver as pessoas e as situações como elas realmente são. E veja, sinta, perceba ou imagine-se olhando para um espelho onde sua imagem está distorcida, embaçada, pouco nítida. Esta visão turva sobre si mesmo representa sua dificuldade de saber quem realmente é, por isso está confundida numa bruma de ilusões. Respire uma vez e imagine que seu terceiro olho (entre suas sobrancelhas) se abre e imediatamente a visão que tem de si no espelho se torna clara e límpida, sendo assim ajudada por seu Ser Superior a encontrar a verdadeira pessoa que é. Então, respire e abra os olhos.

Júlia ouviu tudo em silêncio e deu lugar a Ana, que também tirou uma carta.

  • A sua carta é a Fonte. Olhe para a ilustração e sinta a força que emana deste Sol Central. - Abriu, novamente o livro e disse: - Olha o que Osho diz sobre essa carta: “Esta carta nos lembra que existe um vasto reservatório de energia à nossa disposição. E que não é quando pensamos ou planejamos que nos ligamos a ele, mas quando pomos nossos pés no chão, quando nos centramos, e quando permanecemos suficientemente em silêncio para que o contato com a Fonte possa se estabelecer. Ela está dentro de cada um de nós, como um sol pessoal, individual, proporcionando vida e alimento. Energia pura, ela permanece pulsando, disponível, pronta a nos dar o que for que precisamos para realizar alguma coisa, e pronta para nos acolher de volta em casa, quando quisermos descansar.” Vamos ler juntos como o mestre continua a descrever esta carta: “O Zen lhe pede que deixe de lado a cabeça e volte-se para a fonte primordial... Não é que o Zen não esteja a par dos usos da energia na cabeça; mas, se toda a energia for usada na cabeça, você nunca se dará conta da sua eternidade... Você nunca conhecerá, como uma experiência, o que é tornar-se uno com o todo. Quando a energia fica restrita ao centro, pulsando, quando ela não está se deslocando para alguma parte, nem para a cabeça e nem para o coração, permanecendo na própria fonte de onde o coração a retira, onde a cabeça vai buscá-la, pulsando na própria fonte - esse é o significado exato do Zazen. Zazen quer dizer apenas que, se você permanece na própria fonte, sem deslocar-se para parte alguma, uma força imensa se levanta, uma transformação de energia em luz e amor, em uma vida maior, em compaixão, em criatividade. Ela pode assumir formas variadas. Primeiramente, porém, você tem que aprender como permanecer na fonte. Depois, então, decidirá onde está o seu potencial. Você pode relaxar na fonte, e ela o levará ao seu próprio potencial”. Para acessar esta fonte, aconselho você a meditar. Depois, se vocês quiserem, no final da tarde, podemos fazer uma meditação aqui, com uns amigos que irão vir.
  • Realmente, sinto que, às vezes, me falta energia. - Respondeu Ana.

Sofia quis ficar por último, então foi a vez de Elisabete:

  • Minha cara, a sua carta é a Mudança. Estamos sempre em constantes mudanças. Mudamos de opinião, mudamos de cidade, mudamos de crenças... O símbolo desta carta é uma roda enorme que representa o tempo, o destino, o Karma. Galáxias orbitam em torno deste círculo que está em constante movimento, e os doze signos do zodíaco aparecem à sua volta. Na parte do centro da circunferência estão os oito trigramas do I Ching, e mais próximo do centro aparecem as quatro direções, cada qual iluminada pela energia do relâmpago. O triângulo giratório neste momento está apontado para cima, em direção ao divino e o símbolo chinês do yin e yang, macho e fêmea, o criativo e o receptivo, fica no centro. Sobre ela, o mestre Osho comenta o seguinte: “Com frequência tem sido dito que a única coisa que não muda no mundo é a própria mudança. A vida está mudando continuamente, evoluindo, morrendo e renascendo. Todos os opostos tem um papel nesse vasto esquema circular. Se você se agarrar à borda, poderá ficar tonto! Avance em direção ao centro do ciclone e relaxe, sabendo que este estado também passará. A vida segue repetindo-se despreocupadamente e - a menos que você se torne muito consciente - ela continuará se repetindo, como uma roda. Por isso é que os budistas chamam a isso de uma roda da vida e da morte - roda do tempo. Tudo se movimenta como uma roda: ao nascimento segue a morte, à morte o nascimento; ao amor se segue o ódio, ao ódio o amor; ao sucesso se segue o fracasso, ao fracasso se segue o sucesso. Basta olhar à volta... Se lhe for preciso observar apenas por alguns dias, você perceberá um padrão se definindo: o esquema da roda. Em um dia, numa bela manhã, você se sente tão bem, tão feliz e, no outro dia, está chateado, tão infeliz, que começa a pensar em cometer suicídio. Há apenas alguns dias você se sentiu tão cheio de vida, tão abençoado, que agradecia a Deus, pois você estava num estado de espírito de profunda gratidão, e hoje há um grande sentimento de inconformismo, e você não vê razão que justifique continuar vivendo... E essa alternância vai se repetindo, mas a gente não chega a perceber o padrão. Uma vez que você perceba o padrão, pode libertar-se dele”. Nesta carta do Tarô Zen de Osho, vemos com muita clareza a energia da espiral que tende a girar na mesma direção, nos levando para a luz infinita ou para a areia movediça das ilusões na qual ficamos presos para sempre. Esta é uma perfeita imagem para descrever nossos padrões. Alguns deles, como por exemplo, o apego ao dinheiro - como se a vida só fosse possível para os ricos - nos leva a encontrar muita dificuldade em conectar oitavas mais altas de luz. A matéria é por si só densa, pesada, pregada na terra e no chão. Longe de mim, dizer que não precisamos dela. Precisamos sim. Ela nos mantém firmes na nossa missão na terra. Falo da obsessão, do desejo profundo de viver só para isso. Falo do desvario dos atos, até por vezes antiéticos, para realizar estes desejos de posse. Não dá para ver as estrelas se tivermos nosso olhar fixado na terra. Os padrões nos escravizam, nos paralisam, geram sentimentos e emoções que incomodam muito. A inveja, por exemplo, pode ser resultado de um padrão de comportamento. Quando quero tudo só para mim, quando só penso em mim e no meu próprio conforto, passo a olhar tudo que me rodeia como um objetivo que preciso perseguir. Perceba como um sentimento de inveja apossa seu corpo, muda seu ritmo cardíaco, sua respiração, a sua temperatura corporal quando percebe que alguém tem aquilo que você quer e ainda não tem. E se for assim todos os dias, do mesmo jeito e com a mesma intensidade, acaba criando uma roda, uma espiral repetitiva que prende você e não deixa que você escape mais. Esta carta faz algum sentido para você?
  • Sim, ando muito preocupada com os lucros da loja.
  • Então sugiro que faça um exercício com imagens mentais como uma forma de trabalhar este padrão. Mudar um padrão é talvez a tarefa mais árdua que podemos empreender. Mas vale sempre tentar encarar esta luta. Então, vamos lá. Sentado, pés apoiados no chão, mãos sobre as pernas, respire lentamente três vezes e sempre de olhos fechados leve sua atenção para a intenção deste exercício que se chama: Levando consciência e luz à escuridão. E veja, sinta, imagine, perceba ou ouça seus pés pisando sobre as folhas secas de uma floresta. Você leva em suas mãos uma poderosa tocha de luz. Ande por esta floresta até encontrar uma caverna. Entre nesta caverna e encontre lá no fundo dela vários elementos. Escolha um para representar o seu padrão. Repita mentalmente o nome deste padrão. Então imagine que captura este elemento da forma que lhe for mais conveniente e arrasta ela para fora da caverna. Então use sua tocha de luz para eliminar este elemento sentindo que, na verdade, está eliminando seu padrão. Sentindo-se vitorioso, imagine que levanta seus braços para os céus comemorando sua vitória sobre seu padrão. Respire e abra os olhos. É muito importante que você faça esse exercício todos os dias ao acordar e antes de deitar por no mínimo três meses.

Então, chegou a vez de Sofia:

  • Vejo pelo seus olhos que tem uma profunda mudança ocorrendo no interior do seu ser, garota. Não a deixe de lado, deixe-se levar por ela, mas tenha cuidado. É muito fácil se perder quando buscamos algo que não sabemos o que é. Vou tentar lhe ajudar de outra maneira. Talvez as cartas não sejam indicadas para você neste momento. Sinto isso. Fique para meditação hoje à tardinha.



Naquele momento, o passado, como um filme, foi transmitido diante dos seus olhos. Voltou ao presente e constatou que havia ficado cerca de umas três horas olhando o mar. Resolveu voltar para casa. Era cerca de 19h e a luminosidade do sol já começava a desaparecer. Chamou Doroty, que estava correndo pela praia, subiu no carro e foi embora.

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Marcador de Livros


Hoje gostaria de compartilhar as frases que possuo afixada no mural da minha mesa no trabalho:


“SUEÑA

        LO QUE TE

       ATREVAS

       A SOÑAR.

VE

       DONDE

      QUIERAS

       IR.

SE

       LO QUE

       QUIERAS

        SER.


               VIVE!”


Estão em um marcador de livros muito bonito que adquiri em Montevidéu, no Mercado do Porto, no início do inverno de 2013.


Servem de inspiração para os meus dias, nunca marcaram um livro, mas são muito úteis.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Em uma aldeia Guarani


- Não é o Índio que está à margem da estrada. É a estrada que está à margem dos Índios ! - Disse com uma convicção ancestral. Ainda se preocupou em explicar que o termo “Índio” era equivocado, utilizado por Cabral quando julgou ter chegado na Índia, mas que acabava usando para facilitar a comunicação para se referir aos povos primitivos. O certo seria chamá-los pela etnia – Estávamos em meio a uma aldeia Guarani e era assim que gostariam de ser chamados. Chegamos no final da festa de aniversário de um Cacique, que nos recebeu e nos deu uma palestra, onde buscou esclarecer as perguntas feitas pelo grupo. Nos esclareceu que era uma festa normal, como qualquer outra e que o que tinha diferente é que todos eram Guaranis. Esclareceu que o povo tinha dois cotidianos, um voltado às tradições e rituais, dos quais o homem branco não participava e outro semelhante ao nosso. Foi aberto para todos perguntarem algo. A Isa - uma das integrantes do nosso grupo de excursão – logo questionou do Cocar e das pinturas – O Cacique – que se Chamava Verapoti (não sei se é assim que se escreve) logo esclareceu que aquilo era um esteriótipo que não fazia parte dos costumes daquela tribo. Somente pintavam as articulações as meninas na primeira menstruação e os meninos quando trocavam de voz. O Jovem, que completava 27 anos, tinha sabedoria e serenidade em suas palavras, não compatíveis com a sua pouca idade. Se seguiram várias perguntas. Quando chegou na minha vez de perguntar questionei acerca do principal ritual e ele esclareceu que era a da primeira plantação que eram quando eles “abençoavam” as sementes para plantio e em seguida eram revelados os nomes dos pequeninos. Pequenos é como eles chamam os seres de pouca idade, pois consideram criança quem não tem nenhum conhecimento. Disse que a pessoa tem o nome muito antes do nascimento e, nesse ritual é revelado o nome. Questionado se nós poderíamos participar de uma festa típica, ele disse que era complicado, não bastava querer, tinha que ser avaliado qual o interesse de cada um em conhecer a comunidade, que também dependia da aprovação da comunidade, enfim, de uma série de fatores. A palestra foi improvisada na nossa Van e o tempo era reduzido, tendo em vista que ainda tínhamos que voltar para Porto Alegre. Era por volta das 23h de domingo e o Cacique já estava cansado, pois a festa começara na sexta. Ele era de outra aldeia, resolveu comemorar seu aniversário nas Missões, foi um encontro nacional, com participações de aldeias de São Paulo, Rio de Janeiro e até da Argentina. Suas roupas eram de pessoa normal, condizentes com a sua idade. Tinha os cabelos compridos e um colar discreto. O Nosso Guia – o Ivan, perguntou se ele podia ver quem de nós poderia visitar a aldeia em outra oportunidade. Disse que havia participado da festa, brincando que a única coisa que ele enxergava era a entidade da Cerveja. Também esclareceu que estávamos em uma Van, um local de passagem, portanto inapropriado para realização de qualquer ritual. Mas depois de um certo tempo, admitiu que poderia realizar um novo encontro, primeiro fora da aldeia, para esclarecer mais sobre a sua cultura. Nos despedimos e seguimos viagem. Esse foi o meu primeiro contato com a cultura deles, fora os artesanatos adquiridos no centro de Torres.

terça-feira, 9 de setembro de 2014

A Tela


Esta tela branca me encara, mas não mais me assusta.

Queria preenchê-la com algum conteúdo, mas nada me ocorre agora.

Faz tempo que a abro, na esperança de alguma ideia vir.

Escrevo, leio e apago.

Nada parece fazer sentido.

Ideias muito soltas, sem nexo, apenas.

Seria o silêncio que precede às tormentas?

Despreocupada, a encaro de volta.

Nada.

Nem uma vírgula.

Daí vem mais uma palavra, mais uma vez, descarto.

O que seria dela se eu desse continuidade?

Algumas palavras, ainda que sozinhas, são capazes de produzir ventanias.

Seria eu um veleiro no meio do oceano a espera de ventos?

Ou um barco de motor estacionado no cais?

Não há sombra de tempestade com a qual tenha que me preocupar.

Por outro lado, no sol é agradável e, sem dúvida, é onde quero estar.

E a tela já não está mais branca, mas também não é colorida.

Está em preto e branco e repleta de escritas.