O mar
estava agitado, de ressaca, mas o vai e vêm das ondas era capaz
de acalmar seus pensamentos. De levar a um estado de não-pensar.
Fitou o horizonte por horas, até que lhe surgiu um pensamento
– O que haveria do outro lado das águas. Logo pensou: - A
África! Conjecturou se havia alguém do outro lado e
imaginou que talvez também estivesse olhando o oceano e em
algum ponto do atlântico seus olhares haveriam de se encontrar.
Sofia
acabara de completar 25 anos, mas aparentava bem menos e quem a
conhecia achava que ela era muito sábia para idade que tinha.
Vivia da venda de seus quadros, para desgosto do seu pai que sempre
quis uma filha médica ou advogada. Chegou a iniciar o curso de
Direito, mas parou no 7.º semestre. Era a caçula da
família, nunca causou grandes preocupações aos
seus pais, até decidir abandonar o curso e viver de arte.
…
Iniciou a
faculdade, não tinha 18 anos completos e se deu conta que
aquilo não fazia mais sentido em sua vida aos 22, quando teve
uma longa conversa com seus pais.
- Mas,
minha filha, o que você vai fazer da vida? - Questionou seu
pai.
- Não
sei, pai. Mas não vejo sentido em ter regra pra tudo, em ver
números substituindo pessoas... – referindo-se ao seu
estágio no Foro, onde lidava com várias pilhas de
processos.
Seu
hobie por pintura começou desde cedo. Desde pequena se
destacava nas aulas de artes no colégio. Com o tempo livre da
faculdade e do estágio do foro, pintou tantos quadros que não
haviam mais paredes em sua casa para pendurá-los. Resolveu
anunciá-los na internet, em um site de compras. Em pouco
tempo, vendeu o primeiro, depois o segundo e, com o tempo, viu
naquilo uma fonte de renda.
Foi
quando resolveu sair da casa de seus pais. Morava em Porto Alegre, em
uma rua muito calma, próximo ao lago que todos chamam de rio,
onde todas as manhãs passeava com sua cachorrinha – a
Doroty. Resolveu que queria uma cidade litorânea, não
sabia bem qual, resolveu pegar o seu carro e visitar uma a uma todas
as praias até encontrar uma que seu coração lhe
dissesse que era aquela.
Reuniu
um pequeno grupo de amigas e partiu, sem rumo, para o norte. Não
contou às amigas ou a seus pais dos seus planos de
independência, mas foi resolvida a encontrar um lugar para
fixar raízes, longe da casa dos pais.
Era
inverno, meados de julho e suas amigas, que permaneceram cursando a
faculdade de Direito, estavam de férias. A princípio
queriam ir para serra, mas Sofia as convenceu em viajar para a praia.
Ana e
Júlia conheceram Sofia no cursinho pré-vestibular e,
desde então, para onde uma ia, as outras também iam.
Ana logo
exclamou:
Sofi,
só tu pra nos tirar da nossa casa quentinha, para ir pra
praia no inverno! Para onde vamos?
Para
onde o destino nos levar, vamos indo e parando no caminho. Quando
encontrarmos algum lugar legal, paramos. E, se pá, até
passamos a noite.
Quando
voltaremos? - Indagou Júlia.
Antes
das tuas férias, se não convencer vocês a
abandonar esse curso sem sentido e cair na estrada. - Provocou
Sofia.
Tu é
louca, Sofi. Abandonar o curso no meio do caminho, porque não
terminou? Pelo menos teria um diploma.- Respondeu Júlia.
Não
preciso de diploma algum para ser feliz.
As duas
amigas sabiam que era inútil tentar convencer Sofia a retomar
os estudos, quando ela colocava uma coisa na cabeça, não
havia Cristo que tirasse. Arrumaram as malas no carro, pegaram Doroty
na casa de Sofia e seguiram viagem.
Era
sexta-feira e a primeira parada foi em Tramandaí, chegaram por
volta das 18h. Júlia logo determinou:
Hoje
dormimos aqui! Em Imbé tem noite forte!
Você
e suas festas... - Reclamou Ana. Ana era mais intelectual, adorava
estudar e não era muito chegada a baladas.
Dá
um desconto pra ela, que faz mais de três semanas que não
sai. Vocês acabaram de passar um período de provas. Vai
fazer bem relaxar um pouquinho... - Ponderou Sofia.
Hospedaram-se
em uma pequena pousada, a uma quadra da praia. Barulho
do Mar era o nome. Sofia, que sempre foi fascinada pelo mar, achou
que aquele nome era um sinal, que iria ajudá-la em sua busca.
Na recepção, pediram um quarto triplo, mas foram
avisadas que só havia quartos de casal. Ficaram em dois
quartos, Sofia num, Ana e Júlia noutro. Comeram um lanche ali
mesmo e resolveram ir explorar a cidade.
Tramandaí
é uma cidade que recebe muitos veranistas no verão, mas
no inverno conserva a característica de uma cidade de
interior, com cerca de 41 mil habitantes. É conhecida por suas
festas e, no inverno, muitos jovens de cidades vizinhas e até
mesmo de Capão da Canoa e Torres vêm desfrutar dos
barezinhos que ficam abertos o ano todo.
No
centro, havia um certo movimento, os bares já começavam
a se preparar para receber as pessoas a procura de divertimento.
Resolveram sentar num pequeno pub que tocava música ao vivo,
por insistência de Sofia, já que Júlia não
era muito fã de MPB.
O lugar
chamou a atenção de Sofia, pois o cantor estava tocando
Cão de Giz e ela adorava Zé Ramalho. Viajava em suas
letras. Imaginava como ele compunha suas músicas. Certa vez,
tinha lido que o cantou era garoto de programa e que havia se
apaixonado por uma cliente, mais velha e socialite. Do “romance”
compôs a música. Achava aquela música linda.
Passava
das 21horas, as três escolheram uma mesa próximo ao
palco e pediram uma cerveja. Próximo a mesa delas havia um
casal com uma criança que já resmungava de sono. Sofia,
ficou observando a menina, era loira, de cabelos encaracolados,
réplica mirim de sua mãe. A menina notou que Sofia a
observava e deu um tchauzinho. Sofia sorriu e devolveu o cumprimento.
Os pais nada perceberam. Em um dado momento, a menina se levantou e
foi ao encontro de Sofia.
Oi,
Tia!
Oi,
como é o seu nome?
Clara...
Legal,
meu nome é Sofia, mas pode me chamar de Sofi!
Pode
me chamar de Clarinha, então.
Quantos
anos tu tens, Clarinha?
Mostrou
os cinco dedos e, fechou os olhos e começou a falar em outra
língua. Nesse momento, a mãe da menina, pegou ela pelo
braço e dirigiu-se a Sofia:
Desculpe
se ela está te chateando, essa menina é impossível.
Não
é incomodo nenhum.
Você
está no caminho certo, mas não é aqui o seu
lugar! – Gritou a guria.
Desculpe,
como eu disse, minha filha é tinhosa.
Não
foi nada.
O casal
pagou a conta e foi embora com a menina dormindo.
O
que foi aquilo? Perguntou Júlia que observou toda a cena.
Nada,
só um aviso dos deuses que falaram através da menina.
Que
deuses? Aviso de que?
Nada...
deixa assim...
Você
e seus mistérios. Tem cada coisa que acontece que só
pode ser contigo mesmo.
Beberam
e riram mais um pouco, a respeito do ocorrido. Ficaram até o
pub fechar, cerca de umas 3h da madrugada.
Para
onde vamos? - Indagou Júlia toda animada.
Pra
cama! – Respondeu Ana,
Ah
não, Ana... Nem vem... Hoje é sexta e são
apenas três horas, vamos procurar algum lugar para ir.
Perguntaram
ao garçom, que estava acabando de limpar as mesas e colocando
as cadeiras sobre elas, qual o melhor lugar para irem. Estavam
alegre, em função da bebida. O garçom indicou
uma casa noturna que tocava música eletrônica, ali
perto. Foram à pé. Estava frio, mas sofia sentia calor
e uma certa vertigem, em razão da cerveja bebida. Chegaram lá
já havia pouco movimento, ficaram cerca de uma hora e meia e
foram voltaram para a pousada.
Quando
chegou ao seu quarto, foi recepcionada com festa por Doroty que a
convidava com os olhos para um passeio. Atendendo ao pedido canino,
percorreu a quadra que faltava para chegar o mar e caminhou pela
beira da praia por cerca de uma hora. Doroty corria muito, mas sempre
voltava para acompanhar os passos de Sofia. Sentou em um tronco que
estava na beira da praia e ficou aguardando o raiar do sol,
observando o mar. Pensou que deveria voltar à pousada e
descansar um pouco, pois queria partir no mesmo dia para outro lugar,
afinal, acreditava que aquela criança lhe dera o sinal de que
o lugar procurado não era aquele.
Lembrou
de sua Tia, que morava em Capão da Canoa. Olhou no relógio,
eram 06:30, julgou que sua tia provavelmente já estaria
acordada pois levanta com as galinhas. Resolveu telefonar.
Bom
dia, Tia, é a Sofia. Tudo bom?
Tudo
ótimo, melhor agora. Quanto tempo...
pois
é... É que estou em Tramandaí, estou viajando
para Santa Catarina, pensei em passar por aí hoje, o que a
Sra. Acha?
Acho
que eu ficaria muito brava se você não passasse por
aqui. Venha para o almoço!
Não
quero incomodar, estou com duas amigas e a Doroty.
Não
tem problema, pode vir, estarei esperando.
O.K..
Então, vou mesmo, mas chegamos lá pelas 13hs, pois
ontem saímos e ainda quero descansar um pouquinho.
Combinado,
estarei esperando.
Despediram-se
e Sofia voltou à pousada. Dormiu algumas horas, levantou para
tomar café da manhã na cozinha da pousada, onde
encontrou as duas amigas e lhes disse no novo destino. Tomou um banho
e pegaram a estrada. Chegaram na casa da tia de Sofia por volta das
13:30.
As
meninas responderam ao cumprimento e Elizabete deu um longo abraço
em Sofia. Elisabete era uma segunda mãe para Sofia. Muitas
vezes Sofia confidenciava coisas para Elisabete que nem mesmo sua mãe
sabia.
Almoçaram
e Júlia convidou todas para tomarem um sorvete no centro.
Sofia disse que iria dormir um pouco, pois estava cansada e que
dispensava o convite, mas emprestava o carro para elas irem.
Elisabete disse que iria ficar por casa, pois queria arrumar as
coisas do almoço. Júlia se ofereceu para lavar a louça,
mas Elisabete não deixou. Ana aceitou o convite e ambas saíram
após tomarem um café.
Sofia
começou a lavar a louça, sobre os protestos de
Elisabete.
Então,
o que a traz ao litoral logo no inverno?
Não
contei para as gurias, nem para os meus pais, mas estou pensando em
morar em alguma praia, só não sei qual.
Praia
para vocês jovens é bom no verão. No inverno, é
só tranquilidade.
Mas
é isso que eu busco, Tia... Quero um lugar calmo para pintar
os meus quadros...
Então,
pelo visto resolveste mesmo largar o Direito.
Sim,
não é pra mim.
Sempre
achei que estava fazendo o curso errado, mas tem coisas que só
é possível descobrir vivendo... Até acho que
ficou tempo demais. Aqui em casa tem espaço suficiente para
nós duas, venha para cá, será bom ter um pouco
de companhia.
Obrigado,
fico muito grata com o convite, mas não sei ainda onde vou
ficar, estou esperando um sinal, não sei vindo de onde, mas
um lugar que me toque no coração. Esse lugar até
pode ser aqui, mas ainda não senti isso.
Sei
como é, você também não precisa morar
comigo, pode alugar um apartamento ou uma casa aqui perto, é
bom ter alguém conhecido por perto.
Verdade,
vou considerar isso... Tia, a Senhora me desculpe, mas estou muito
cansada, cheguei na pousada para dormir pela manhã. Não
dormi quase nada... onde posso me deitar?
Elisabete
a encaminhou até o quarto de hóspedes que ficava no
segundo andar da casa. Era um sobrado com três dormitórios
em cima e um embaixo, onde dormia Elisabete. Tinha um amplo pátio
na parte da frente, onde um jardim belíssimo era o passatempo
preferido da tia da Sofia. Nos verões, a casa vivia lotada por
parentes, mas no inverno quase ninguém visitava Elisabete.
Acordou
por volta das 18h com o cheiro de café. Suas amigas haviam
voltado e também estavam dormindo. Chamou elas e foi até
a cozinha, onde Elisabete preparara uma mesa bem farta. Comeram e
Elisabete disse que tinha que ir a Torres no domingo pela manhã,
buscar uns produtos para a loja, convidando elas para ir junto.
Elisabete
era meio bruxa e tinha uma loja de produtos exotéricos, a
Vibração do Mar. Era mais um ponto de encontro para as
pessoas falarem sobre assuntos místicos que uma loja. A
mantinha somente por distração, pois recebia uma bela
aposentadoria do Governo.
Júlia
não gostou muito, pois teriam que dormir cedo e tinha planos
de sair aquela noite. Mas foi vencida pela maioria que queria ir a
Torres. Sofia havia passado apenas um Reveillon em Torres, não
achava grande coisa a cidade, mas ficou entusiasmada em ver as novas
mercadorias que sua Tia iria buscar para loja. Tratavam-se de
caldeirões de barro, feitos por um bruxo artesão da
cidade.
Sofia
não tinha religião, mas se interessava muito por
assuntos do ocultismo. Achou que conhecer um bruxo iria lhe fazer
bem, talvez ele tivesse alguma coisa para lhe dizer, pensou.
Saíram
de Capão da Canoa às 8h da manhã. Sofia decidiu
deixar Doroty, pois ficaria muito apertado no carro, já que
era uma cachorra de porte médio. Pararam um uma casa, repleta
de escultura indianas espalhadas pelo jardim. Elevada do nível
do solo, no muro havia o desenho de mandalas, feitas em mosaico.
Elisabete mandou que Sofia buzinasse. Saíram do carro e
ficaram esperando. Não demorou muito um senhor, que aparentava
uns 50 anos, magro, de altura mediana e cabelos compridos saiu da
casa, atravessando o jardim. Desceu as escadas e abriu o portão.
Olá,
Elisabete, vejo que trouxe companhia!
Sim,
esta é minha sobrinha, Sofia e suas amigas, Ana e Júlia.
Então
essa é a famosa Sofia. Muito prazer, meninas! Meu nome é
Ricardo. Os caldeirões estão lá em cima, vamos
entrando.
Subiram
os degrais que compunham o jardim e entraram na casa, que era térrea
e parecida ser feita de vidros.
A sala
era muito grande, bem iluminada e cheia de cortinas balançando
com o vento. Não havia móveis, apenas várias
almofadas e um tapete enorme que preenchia a sala toda. Eram 13
almofadas alinhadas em círculo. Havia também um grande
altar, onde havia um cálice, um caldeirão, um
incensário em formato de pentagrama e diversas mini-estátuas
de deuses egípcios, anjos, divindades indianas e bruxas.
Também haviam diversos vasos com plantas, decorados com fadas
e gnomos. Sofia sentiu uma imensa paz e tranquilidade ao entrar
naquela sala. Ricardo entrou em uma porta que dava para os fundos da
casa e voltou com uma caixa de papelão.
Aqui
estão! 10 caldeirões, conforme o pedido. Mas hoje é
um dia especial, gostaria que vocês ficassem e pelo menos
almoçassem aqui comigo. - Deixou a caixa em um canto da sala
e fez sinal para todas sentarem nas almofadas. - Então,
garotas... Todas as pessoas que por aqui passam, passam por alguma
razão, nada acontece por acaso. E não é por
acaso que vocês cruzaram o meu caminho hoje. Sinto que os bons
espíritos querem falar com vocês e eu serei o
instrumento, hoje, caso vocês desejem ouvir a mensagem.
Todas
ficaram entusiasmadas e concordaram. Então, Ricardo se dirigiu
até uma outra sala e voltou com um baralho e um livro. Puxou
um incenso que havia num cesto ao lado do altar e acendeu-o, assim
como uma vela que também ficava no altar. Sentou também
em uma das almofadas e perguntou:
Quem
quer ser a primeira?
Eu!!!
- Respondeu, de pronto Júlia.
Então,
que assim seja. Mas primeiro vamos fazer uma pequena oração,
para entrarmos no clima. Vamos nos dar as mãos e cada um
converse com quem achar que deve conversar, conforme a crença
de cada uma.
Deram as
mãos e fecharam os olhos por cerca de 3 minutos. Ricardo puxou
sua almofada para o centro e colocou mais uma em sua frente.
Pode
sentar aqui, Júlia... Esse é o Tarot do Osho, ele traz
resposta para o presente, embaralhe, concentre-se e tire uma carta.
- Júlia lhe entregou a carta. - Você tirou a carta das
Projeções. Observe que o homem e a mulher nela
ilustrados têm uma imagem distorcida de si mesmos. - Consultou
o livro e prosseguiu: - Vou te ler o que o Osho escreveu sobre esta
carta: “Todos nós podemos cair na armadilha de projetar
‘filmes’ de nossa própria autoria sobre as situações
e as pessoas à nossa volta. Isso acontece quando não
estamos plenamente confiantes de nossas expectativas, desejos e
julgamentos e de reconhecê-los como nossos, tentando
atribuí-los aos outros. Uma projeção pode ser
diabólica ou divina, perturbadora ou confortadora, mas
continua sendo uma projeção – uma nuvem que nos
impede de ver a realidade como ela é. O único modo de
escapar disso é entender como funciona o jogo. Quando você
der com um julgamento se formando a respeito de outra pessoa vire-se
do avesso: aquilo que você está vendo no outro, na
verdade, não pertence a você? A sua visão está
límpida ou obstruída pelo que você quer ver?”.
Que bela descrição da nossa própria cegueira a
respeito de nós mesmos, não é verdade? Quantas
vezes olhamos para quem está perto de nós e não
percebemos que este alguém funciona como nosso espelho,
refletindo exatamente aquilo que menos gostamos em nós. No
livro o autor diz que nossa mente é um projetor e o outro, a
tela onde o nosso filme é projetado. Isso explica muito bem
aqueles relacionamentos onde no início é tudo ouro
sobre azul e, com o passar do tempo, o ódio, a raiva, a
vingança e o desamor começam a surgir na relação
transformando príncipes e princesas em sapos e rãs
repugnantes. Um estudo recente parece mostrar que a paixão
dura em média um ano e meio. Segundo o estudo, é nessa
fase que o objeto do amor é perfeito, lindo, tudo o que um
diz ou faz é maravilhoso. Depois dessa fase o castelo começa
a desmoronar e, então, começamos a nos ver no outro (e
vice-versa) sem o véu da ilusão, do encantamento, da
anestesia. E o encantamento vai passando sendo substituído
pelas projeções que nossa mente faz sobre o que nosso
companheiro/a tem de pior (ou seja, o que temos de pior refletido
nele ou nela).
Sim,
acabei de acabar um relacionamento assim.
Então,
sugiro que faça o seguinte exercício, proposto no
livro, durante sete dias: Faça sempre ao acordar, sentado,
tenha os pés apoiados no chão e as mãos
apoiadas nas pernas. Feche os olhos, respire até sentir muita
calma e pense na intenção do exercício: ver as
pessoas e as situações como elas realmente são.
E veja, sinta, perceba ou imagine-se olhando para um espelho onde
sua imagem está distorcida, embaçada, pouco nítida.
Esta visão turva sobre si mesmo representa sua dificuldade de
saber quem realmente é, por isso está confundida numa
bruma de ilusões. Respire uma vez e imagine que seu terceiro
olho (entre suas sobrancelhas) se abre e imediatamente a visão
que tem de si no espelho se torna clara e límpida, sendo
assim ajudada por seu Ser Superior a encontrar a verdadeira pessoa
que é. Então, respire e abra os olhos.
Júlia
ouviu tudo em silêncio e deu lugar a Ana, que também
tirou uma carta.
A
sua carta é a Fonte. Olhe para a ilustração e
sinta a força que emana deste Sol Central. - Abriu, novamente
o livro e disse: - Olha o que Osho diz sobre essa carta: “Esta
carta nos lembra que existe um vasto reservatório de energia
à nossa disposição. E que não é
quando pensamos ou planejamos que nos ligamos a ele, mas quando
pomos nossos pés no chão, quando nos centramos, e
quando permanecemos suficientemente em silêncio para que o
contato com a Fonte possa se estabelecer. Ela está dentro de
cada um de nós, como um sol pessoal, individual,
proporcionando vida e alimento. Energia pura, ela permanece
pulsando, disponível, pronta a nos dar o que for que
precisamos para realizar alguma coisa, e pronta para nos acolher de
volta em casa, quando quisermos descansar.” Vamos ler juntos como
o mestre continua a descrever esta carta: “O Zen lhe pede que
deixe de lado a cabeça e volte-se para a fonte primordial...
Não é que o Zen não esteja a par dos usos da
energia na cabeça; mas, se toda a energia for usada na
cabeça, você nunca se dará conta da sua
eternidade... Você nunca conhecerá, como uma
experiência, o que é tornar-se uno com o todo. Quando a
energia fica restrita ao centro, pulsando, quando ela não
está se deslocando para alguma parte, nem para a cabeça
e nem para o coração, permanecendo na própria
fonte de onde o coração a retira, onde a cabeça
vai buscá-la, pulsando na própria fonte - esse é
o significado exato do Zazen. Zazen quer dizer apenas que, se você
permanece na própria fonte, sem deslocar-se para parte
alguma, uma força imensa se levanta, uma transformação
de energia em luz e amor, em uma vida maior, em compaixão, em
criatividade. Ela pode assumir formas variadas. Primeiramente,
porém, você tem que aprender como permanecer na fonte.
Depois, então, decidirá onde está o seu
potencial. Você pode relaxar na fonte, e ela o levará
ao seu próprio potencial”. Para acessar esta fonte,
aconselho você a meditar. Depois, se vocês quiserem, no
final da tarde, podemos fazer uma meditação aqui, com
uns amigos que irão vir.
Realmente,
sinto que, às vezes, me falta energia. - Respondeu Ana.
Sofia
quis ficar por último, então foi a vez de Elisabete:
Minha
cara, a sua carta é a Mudança. Estamos sempre em
constantes mudanças. Mudamos de opinião, mudamos de
cidade, mudamos de crenças... O símbolo desta carta é
uma roda enorme que representa o tempo, o destino, o Karma. Galáxias
orbitam em torno deste círculo que está em constante
movimento, e os doze signos do zodíaco aparecem à sua
volta. Na parte do centro da circunferência estão os
oito trigramas do I Ching, e mais próximo do centro aparecem
as quatro direções, cada qual iluminada pela energia
do relâmpago. O triângulo giratório neste momento
está apontado para cima, em direção ao divino e
o símbolo chinês do yin e yang, macho e fêmea, o
criativo e o receptivo, fica no centro. Sobre ela, o mestre Osho
comenta o seguinte: “Com frequência tem sido dito que a
única coisa que não muda no mundo é a própria
mudança. A vida está mudando continuamente, evoluindo,
morrendo e renascendo. Todos os opostos tem um papel nesse vasto
esquema circular. Se você se agarrar à borda, poderá
ficar tonto! Avance em direção ao centro do ciclone e
relaxe, sabendo que este estado também passará. A vida
segue repetindo-se despreocupadamente e - a menos que você se
torne muito consciente - ela continuará se repetindo, como
uma roda. Por isso é que os budistas chamam a isso de uma
roda da vida e da morte - roda do tempo. Tudo se movimenta como uma
roda: ao nascimento segue a morte, à morte o nascimento; ao
amor se segue o ódio, ao ódio o amor; ao sucesso se
segue o fracasso, ao fracasso se segue o sucesso. Basta olhar à
volta... Se lhe for preciso observar apenas por alguns dias, você
perceberá um padrão se definindo: o esquema da roda.
Em um dia, numa bela manhã, você se sente tão
bem, tão feliz e, no outro dia, está chateado, tão
infeliz, que começa a pensar em cometer suicídio. Há
apenas alguns dias você se sentiu tão cheio de vida,
tão abençoado, que agradecia a Deus, pois você
estava num estado de espírito de profunda gratidão, e
hoje há um grande sentimento de inconformismo, e você
não vê razão que justifique continuar vivendo...
E essa alternância vai se repetindo, mas a gente não
chega a perceber o padrão. Uma vez que você perceba o
padrão, pode libertar-se dele”. Nesta carta do Tarô
Zen de Osho, vemos com muita clareza a energia da espiral que tende
a girar na mesma direção, nos levando para a luz
infinita ou para a areia movediça das ilusões na qual
ficamos presos para sempre. Esta é uma perfeita imagem para
descrever nossos padrões. Alguns deles, como por exemplo, o
apego ao dinheiro - como se a vida só fosse possível
para os ricos - nos leva a encontrar muita dificuldade em conectar
oitavas mais altas de luz. A matéria é por si só
densa, pesada, pregada na terra e no chão. Longe de mim,
dizer que não precisamos dela. Precisamos sim. Ela nos mantém
firmes na nossa missão na terra. Falo da obsessão, do
desejo profundo de viver só para isso. Falo do desvario dos
atos, até por vezes antiéticos, para realizar estes
desejos de posse. Não dá para ver as estrelas se
tivermos nosso olhar fixado na terra. Os padrões nos
escravizam, nos paralisam, geram sentimentos e emoções
que incomodam muito. A inveja, por exemplo, pode ser resultado de um
padrão de comportamento. Quando quero tudo só para
mim, quando só penso em mim e no meu próprio conforto,
passo a olhar tudo que me rodeia como um objetivo que preciso
perseguir. Perceba como um sentimento de inveja apossa seu corpo,
muda seu ritmo cardíaco, sua respiração, a sua
temperatura corporal quando percebe que alguém tem aquilo que
você quer e ainda não tem. E se for assim todos os
dias, do mesmo jeito e com a mesma intensidade, acaba criando uma
roda, uma espiral repetitiva que prende você e não
deixa que você escape mais. Esta carta faz algum sentido para
você?
Sim,
ando muito preocupada com os lucros da loja.
Então
sugiro que faça um exercício com imagens mentais como
uma forma de trabalhar este padrão. Mudar um padrão é
talvez a tarefa mais árdua que podemos empreender. Mas vale
sempre tentar encarar esta luta. Então, vamos lá.
Sentado, pés apoiados no chão, mãos sobre as
pernas, respire lentamente três vezes e sempre de olhos
fechados leve sua atenção para a intenção
deste exercício que se chama: Levando consciência e luz
à escuridão. E veja, sinta, imagine, perceba ou ouça
seus pés pisando sobre as folhas secas de uma floresta. Você
leva em suas mãos uma poderosa tocha de luz. Ande por esta
floresta até encontrar uma caverna. Entre nesta caverna e
encontre lá no fundo dela vários elementos. Escolha um
para representar o seu padrão. Repita mentalmente o nome
deste padrão. Então imagine que captura este elemento
da forma que lhe for mais conveniente e arrasta ela para fora da
caverna. Então use sua tocha de luz para eliminar este
elemento sentindo que, na verdade, está eliminando seu
padrão. Sentindo-se vitorioso, imagine que levanta seus
braços para os céus comemorando sua vitória
sobre seu padrão. Respire e abra os olhos. É muito
importante que você faça esse exercício todos os
dias ao acordar e antes de deitar por no mínimo três
meses.
Então,
chegou a vez de Sofia:
Vejo
pelo seus olhos que tem uma profunda mudança ocorrendo no
interior do seu ser, garota. Não a deixe de lado, deixe-se
levar por ela, mas tenha cuidado. É muito fácil se
perder quando buscamos algo que não sabemos o que é.
Vou tentar lhe ajudar de outra maneira. Talvez as cartas não
sejam indicadas para você neste momento. Sinto isso. Fique
para meditação hoje à tardinha.
…
Naquele
momento, o passado, como um filme, foi transmitido diante dos seus
olhos. Voltou ao presente e constatou que havia ficado cerca de umas
três horas olhando o mar. Resolveu voltar para casa. Era cerca
de 19h e a luminosidade do sol já começava a
desaparecer. Chamou Doroty, que estava correndo pela praia, subiu no
carro e foi embora.